sábado, 8 de novembro de 2008

Liverpool Football Club, a intermitente grandeza de um gigante.

"Entre 1959 e 1974 aprendemos a crescer com Shankly, tornamo-nos gigantes, donos do nosso destino e o centro de uma nação; entre 1975 e 1984 com Paisley, éramos imortais, conquistámos tudo o que existia para conquistar, donos de um mundo que era vermelho; depois de 1985, fomos esmagados - por uma final fatídica e por tantos mortos - por Heysel, por Hillsborough, pela década que passámos fora da Europa, pelo futuro, que chegou de forma brutal..."


A segunda parte da história deste clube começa em 1966 e vai até ao ano de 1985, contando a ascensão de um titã, o Liverpool, e a sua conquista da Inglaterra e da Europa, antes de ser parada de forma abrupta por aquela final contra a Juventus, arredada de qualquer futuro com o desastre de Hillsborough, condenando o emblema, tal como o futebol inglês, a remodelar-se e... a renascer das cinzas.



1966 - 1974, O fim de um ciclo.

Em 1972, após uma curta travessia no deserto (apenas um 2º lugar na Liga em 68/69), originada por uma nova reconstrução na equipa, o Liverpool, afastado dos títulos desde o campeonato de 1966, começou um percurso diferente, visando o ataque á Europa, impondo o futebol dos 'reds' nas suas competições e restaurando a sua primazia a nível interno. Assim, onde dantes encontrávamos o defesa (e capitão) Ron Yeats e os avançados Roger Hunt e Ian St.John (o primeiro marcou 245 golos com a camisola vermelha só no campeonato - ainda hoje um recorde do clube) como principais referências de um plantel, agora tínhamos uma nova geração de jogadores, sedentos de conquista, mas onde ainda actuava Tommy Smith, assegurando a transição e comandando o meio campo do conjunto.

Foi exactamente essa equipa que conquistou o primeiro troféu europeu do clube (até então o clube apenas tinha chegado a uma meia final europeia - na Taça dos Clubes Campeões Europeus de 64/65), ao ganhar a Taça UEFA de 72/73, derrotando na final o Borussia Mönchengladbach e vingando a final da Taça das Taças perdida em 1966 contra outro Borussia, o de Dortmund, que assim adiou por mais uns anos esta primeira vitória.

Com mais duas ligas, a desse ano e a do ano seguinte, 73/74 e com a segunda vitória do clube na Taça de Inglaterra, tudo na mesma temporada, a equipa voltava ao topo e, Bill Shankly, o seu treinador principal, após duas décadas á frente do plantel, depois de revolucionar toda uma cidade e um clube, galvanizando uma massa humana enorme (que ele apoiava e acarinhava - chegava ao extremo de responder ás cartas dos adeptos, oferecer bilhetes e discutir com os adeptos que se lhe dirigiam questões relacionadas com a equipa ou o jogo anterior) levando-o aonde ele nunca tinha chegado, apresentou a demissão, retirando-se do futebol e apontando deixando o seu adjunto (que ocupava o cargo desde a sua primeira época no Liverpool), um indivíduo introvertido e reservado, como seu sucessor.
Esse homem, que tinha agora esta tarefa monumental, iria levar o Liverpool aos melhores momentos da sua história, conquistando o Clube, a Inglaterra e a Europa do futebol. No fim da temporada de 1973/1974 Bob Paisley, o fiel escudeiro de tantos anos, substituiu "Shanks" no comando da equipa técnica da equipa sénior. Começava a era dourada do clube de Merseyside.


1974 - 1983, Supremacia.

"Um Homem vulgar de invulgar grandeza", foi assim que descreveram o treinador que em nove anos apenas não conseguiu vencer uma taça, a de Inglaterra (teve 1 final perdida), trazendo para o clube um total de 6 Campeonatos (ficando por duas vezes em 2º), 3 Taças da Liga (1 final perdida), 5 Supertaças (uma 'Charity Shield' perdida), 1 Taça UEFA, 1 Supertaça Europeia (1 final perdida), 1 Taça Intercontinental e, mais importante, 3 Taças dos Clubes Campeões Europeus, duas delas seguidas. Foram 20 troféus e 17 finais, num registo que, até hoje, só foi superado por Sir Alex Ferguson, tratando-se ainda do melhor pecúlio alguma vez conquistado por um "manager" oriundo da Grã-Bretanha. Faltou-lhe o 'Treble', que esteve para conquistar em 1976/77 (Taça dos Campeões, Liga e Taça de Inglaterra), perdendo a taça inglesa para o Manchester United. Em tão pouco tempo e com tanta qualidade nunca ninguém tinha feito ou voltou a fazer o mesmo. Pelo menos até aos nossos dias.

Não foram só títulos, aquilo que Bob Paisley deu ao clube. Este filho de um mineiro, que trabalhou 44 anos seguidos em Anfield, formou equipas vencedoras, descobrindo e contratando jogadores de enorme qualidade que lhe permitiram chegar ao sucesso. Tratando-se de uma pessoa dotada de uma enorme visão e sabedoria, soube preparar o clube para o futuro salvaguardando o presente, evitando que, quando saísse do seu cargo, a onda vitoriosa que tinha dominado por uma década o futebol inglês e europeu desaparecesse. Algo que conseguiu.
Com uma presença diferente do seu predecessor, mais discreta mas mesmo assim incisiva quando era preciso (precisamente o caso quando, perante uma exibição fraca de Alan Kennedy na sua estreia afirmou: "Uma coisa vos digo: mataram o Kennedy errado!"), Paisley pegou na equipa campeã de 1974 e levou-a ao seu primeiro triunfo na principal prova europeia de clubes em 1976/77, consagrando jogadores como Tommy Smith, o guarda-redes internacional Ray Clemence, o galês John Toshack e, em especial, Kevin Keegan, o avançado cujo maior receio na vida era de falhar um golo de baliza aberta em frente á Kop, a mítica bancada de Anfield Road, que Shankly tinha tornado o coração do clube. Tal era a força dos adeptos do Liverpool.

O inglês autodidacta (estudou por iniciativa própria vários assuntos, como por exemplo, fisioterapia, assistindo na perfeição o seu antecessor nesse campo), numa manobra soberba, após a conquista desse ano (vencendo em Roma - de novo - o Borussia Mönchengladbach), trocou Keegan por um jogador do Celtic de que muitos temiam não ser capaz de substituir o mítico camisola 7, Kenny Dalglish. Estava contratado o melhor jogador da história do clube, avançado prolífico e homem providencial para o grupo nos momentos difíceis que estavam para vir...

Juntamente com outro escocês, Graeme Souness, e com a base da equipa campeã europeia, o clube conseguiu manter a sua hegemonia até ao fim dessa década e início da seguinte, agraciando o palmarés do clube, por entre tantas outras conquistas, com a sua segunda (a 77/78) e terceira (em 80/81) Taças dos Campeões Europeus. Chegava ao fim o percurso do treinador inglês mais bem sucedido de sempre. Quando em 1983, Bob Paisley passou a director em Anfield, retirando-se calmamente, o clube continuou, apoiado numa estrutura sólida e na excelência da bootroom, na senda do sucesso, tal como ele sempre quis.



1983 - 1985, Crepúsculo.

O ocaso dos 'reds', comandados, numa primeira fase, por Joe Fagan, outro técnico vindo da bootroom, escreveu-se com Campeonatos (entre 1979 e 1984 só por uma vez o Liverpool não foi campeão) e Taças, quer estas fossem da Liga (quatro seguidas, entre 80 e 84), de Inglaterra ou dos Clubes Campeões Europeus (em 83/84, derrotando na final a AS Roma, nos penalties). No entanto, estas conquistas nunca teriam sido possíveis se a prospecção do clube não tivesse descoberto, ainda pela mão de Paisley, jogadores como o mítico goleador do País de Gales, Ian Rush (o melhor marcador de sempre do clube, com 346 golos), e Bruce Grobbelaar, que veio susbtituir (eficazmente) o veterano guarda-redes Ray Clemence. Ao vencerem a AS Roma de Falcão, naquela final de 1984, esta equipa provou ser capaz de continuar a vencer, misturando, como a geração anterior havia feito, novos elementos com uma base já habituada ás vitórias.
O mal que teve em Heysel, para o grande público, o seu violento despertar, e que causou a queda do emblema do norte de Inglaterra do topo da senda europeia e mundial não era exclusivo de um determinado clube ou região mas sim nascido entre os britânicos e, posteriormente e progressivamente, exportado para a Europa. O hooliganismo, já era, á data de 29 de Maio de 1985, dia do seu evento de maior expressão, um fenómeno que corroía, havia uma década, o futebol europeu. Até essa trágica final, o futebol inglês tinha tido, em termos de clubes, (quase) duas décadas simplesmente fantásticas. Entre 1970 e 1985 os clubes ingleses acumularam 18 vitórias (7 TcCE, 5 TU, 3 TdT e 3 ST) e 10 finais (perdidas) nas provas organizadas pela UEFA.

Depois da tragédia de Heysel viria a mudança, primeiro sobre a forma de castigo, imposto pela organização que tutela o futebol europeu (interdição de cinco anos para os clubes ingleses, dez para o Liverpool), e só depois, cinco anos depois, com o desastre de Hillsborough, na meia-final da Taça de Inglaterra de 1988/89 (onde 96 pessoas, a sua grande maioria fãs dos 'reds', morreram), como remodelação. Do futebol inglês, dos clubes, do Liverpool, que apesar de continuar a dominar no plano interno perdeu a aquela que foi a melhor ocasião da sua existência para se elevar a patamares inigualáveis a nível europeu. Passava a oportunidade, entrava o clube em declínio...

(Fim da segunda parte)

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