Leiam e releiam o Editorial do Diário de Notícias de Hoje, achei-o excelente e, apesar de não gostar muito de fazer isto, passei-o para aqui na íntegra.
Continuo a dar preferência ao DN no que toca aos jornais nacionais, sendo que um bom exemplo da qualidade deste foi a Edição de Domingo (21/1) que, para além de uma apreciação global muito positiva, impressionou-me pelo nível de alguns dos artigos, ie pela qualidade dos mesmos (gostei muito do "O rugido do gato", de Nuno Brederode Santos).
Assim sendo, sugiro uma visita aos links deste post e deixo-vos com o texto de João Morgado Fernandes, que aborda uma figura que tem sido subvalorizada no nosso país, uma personalidade que contribuiu para a construção e consolidação da nossa democracia de forma fundamental.
Mesmo não sendo a minha escolha para o concurso em questão, não deixo de admitir que, é uma falta de senso comum (e de memória), esquecer este grande português.
Bernardo Rosmaninho
E Soares?
João Morgado Fernandes
"Um dos aspectos mais confrangedores, talvez o mais confrangedor, do programa Grandes Portugueses, agora que se discutem as virtudes dos dez magníficos, é que o nosso século XX esteja representado por duas figuras de carga tão negativa como António Salazar, para uns, ou Álvaro Cunhal, para outros.
Portugal, apesar do fascismo e da tentação totalitária de 75, conseguiu passar pelo século XX sem os extremismos que feriram fundo a Europa. Há, até, quem veja nesse nosso rés-vés com a História uma das razões do nosso atraso - falhámos a dor, não fomos obrigados a confrontar-nos com nós próprios, e teremos falhado por isso, também, o renascimento, o recomeço, que varreu a Europa nos anos 50 e 60.
Paradoxalmente, Salazar e Cunhal surgem no programa da RTP como símbolos, menores é verdade, dos totalitarismos da sua época no Velho Continente, que apenas indirectamente nos tocaram.
Salazar terá sido, para os que nele acreditam, o homem que nos defendeu dos males do século XX, que, como se sabe, incluíam a liberdade de expressão e a Coca-Cola. Cunhal, para os admiradores, foi o contrário, um lutador pela liberdade, pouco importando que passasse férias numa União Soviética em que, paredes meias, milhões sucumbiram porque não se submetiam ao jugo, ou simplesmente porque sim.
O culto de figuras como Salazar ou Cunhal e o consequente reflexo dessa idolatria neste tipo de votações são relativamente normais.
Já não é normal que as presentes gerações, precisamente as presentes gerações, não tenham percebido a figura que, apesar de viva - e essa será a sua principal desvantagem competitiva -, simboliza, melhor que todas, a vitória, embora tardia, da nossa modernidade - Mário Soares.
O elogio de Mário Soares num programa destes não seria tarefa simples. Seria um elogio à democracia, com todas as fragilidades que a democracia sempre comporta, e seria um elogio, não à perfeição, mas à permanente, e sempre insatisfatória, tentativa de a obter.
E do que os portugueses gostam mesmo é de "príncipes perfeitos". E nem falo de D. João II, um dos verdadeiros grandes portugueses e uma das últimas esperanças que nos restam de não passarmos pela vergonha de colocar no pedestal uma sinistra esfinge."